quinta-feira, 11 de agosto de 2011

OFENSA CONTRA AS MULHERES?


Manifestação cultural e do pensamento livre

"Não se pode naturalizar a violência, o desrespeito e a desvalorização da mulher". Luiza Maia (PT-BA)

O projeto de lei da deputada estadual Luiza Maia (PT-BA), que pretende proibir que o Governo do Estado e as prefeituras baianas contratem, com o dinheiro arrecadado dos impostos pagos pelo cidadão, bandas que executem músicas com letras ofensivas às mulheres, que as desvalorizam ou as exponham a constrangimentos, violência, está dando o que falar e virou debate nacional.

Maioria favorável à proibição

57% dos internautas consultados disseram ser a favor da proibição das letras de duplo sentido, em eventos pagos pelo Estado e prefeituras baianas. Na realidade, não se trata somente de letras pífias, mas também de musica (?) e de harmonia horrorosas.

Viajando contra a corrente, o advogado, doutorando e mestre em direito, Georges Humbert, escreveu no jornal A Tarde, de quarta-feira, 10.08.2011, um artigo intitulado Censura Prévia, com argumentos contra o projeto de lei.

São suas as palavras: “.. .o referido projeto não merece guarida pois contraria a nossa Constituição Federal. Isto porque, por princípio, é garantido a todos brasileiros a livre manifestação cultural e de pensamento, sendo certo que normas que proíbam a Administração de contratar músicos que executem músicas que supostamente depreciem as mulheres configurariam não a regulamentação desta atividade, mas, sim, uma espécie de censura prévia inadmitida pela ordem jurídica em vigor... Às mulheres, toda a proteção do Estado. Todavia, controle de atos que atentem contra a integridade das mulheres, inclusive nas manifestações artísticas, deve ser realizado pelas vias jurídicas adequadas, especialmente ações civis para a tutela dos direitos difusos e coletivos. Restringir, em tese, a criatividade dos nossos artistas é censura prévia”.

Não sou doutorando nem mestre em direito, mas discordo de seus argumentos, rebatendo-os democraticamente com contra-argumentos fundamentados em premissas pragmáticas de um cidadão brasileiro do século XXI.

Parto do princípio de que nenhuma obra humana é perfeita, incluindo a entidade Justiça que foi criada para servir ao homem e não o contrário, com o objetivo de manter a harmonia da estrutura social.

No meu entender, as leis da Constituição Brasileira vigente não são verdades absolutas e pétreas. A Constituição não é (e nunca será) infalível. Por isso, entendo, precisa sempre ser interpretada à luz da lógica vigente e não utilizada cegamente como verdades eternas.

A garantia para todos os brasileiros à livre manifestação cultural e de pensamento é polêmica e pode ser questionada. Pergunto: até onde tal garantia de pensamento e manifestação cultural deve ser tolerada pela sociedade civilizada? A garantia constitucional assegura, por exemplo, o pensar livre e suas consequências práticas na defesa do preconceito racial? Absolutamente, não. E para isso, a sociedade incluiu leis na Constituição do país para penalizar o racismo.

Doutra parte, será que a garantia constitucional abrange o perverso costume “cultural” da chamada “farra do boi”? Ou da autoflagelação masoquista de religiosos durante a semana santa? Ou da queima desvairada de “espadas” durante os festejos juninos? Tudo isso deve ser considerado manifestações da decantada e intocável cultura popular? Entendo que não.

Estar arraigada na cultura e no comportamento dos indivíduos, não justifica que determinada manifestação cultural deva, obrigatoriamente, ser mantida para todo o sempre. Quando tais manifestações se tornam perniciosas, transformando-se em agentes ativos de desagregação social, de fator que deseduca, de alimentador de preconceitos a ponto de causar prejuízos às pessoas não devem, em nenhuma hipótese, ser toleradas pela sociedade constituída.

Pode, pode, mulher maravilha...!

E em se falando do que, aqui, nos interessa -, as músicas ofensivas que denigrem a mulher -, as suas alusões são altamente prejudiciais porque avilta o que há de mais privado e singular no ser humano: o seu corpo e a sua sexualidade.

Sei, tem quem goste dos ritmos de pagode, funk, ou hip hop, mas, acredito, nem todas as mulheres gostam de suas letras - recitadas de forma burra e insultuosa. Exemplos? Para a mulher feia o estupro é uma benção. Olha, mulher é igual a lata, um chuta e outro cata.... A questão aqui não é o divertimento em si, mas o desrespeito que tematiza as composições.

Ora, quer dizer que além de tolerar um som repetitivo e de péssima qualidade, um verdadeiro lixo musical, a mulher sensata é obrigada a aceitar ser chamada de cachorra, ordinária, piriguete, vaca, chupeta atômica, rosca ardente e quejandos? Será que o homem que tem namorada, esposa, irmã ou mãe sentir-se-ia feliz se tais impropérios fossem dirigidos a elas?

Pior é quando os insultos são repetidos por crianças e adolescentes. Nada mais tosco e embrutecedor. As implicações resultantes chegam a assustar. No funk, por exemplo, se faz menção até à pedofilia. Por tudo isso, as letras que ofendem não podem ser aceitas impunemente principalmente quando realimentam o preconceito machista de que a mulher é mero objeto sexual descartável, que pode ser execrada, estuprada e trucidada pelo homo insanus, legitimando, assim, o pseudo-poder que os homens tem sobre as mulheres na cama, no mercado de trabalho, no domínio de seu corpo e de sua alma.

Por tudo isso, peço ao nobre advogado e seus simpatizantes mais reflexão, mais sintonia com as necessidades dos cidadãos atuais e menos proselitismo jurídico radical para evitar transformar a garantia de pensamento livre e manifestação cultural numa mixórdia pétrea e intocável instituída por uma constituição falível e, portanto, sujeita a desconstruções e reconstruções de paradigmas. (Queiroz)